Coronavírus aumenta judicialização e leva escolas a reverem contratos

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A educação é um dos segmentos no Brasil em que a retomada de atividades está menos resolvida. Com divergência de políticas entre esferas governamentais, muitas instituições de ensino têm criado protocolos próprios e tomado para si a responsabilidade de determinar como vai ser o retorno dos alunos à rotina e como vai ser estruturado esse dia a dia a partir de agora. Com tantas interrogações colocadas, a seara tem sido inundada de judicialização nos últimos meses, e isso já criou uma corrida para revisão de contratos-base.

É evidente que nenhum contrato de prestação de serviço de ensino previu a pandemia ou a quarentena de mais de cinco meses. Até por isso, faltam elementos para uma avaliação sobre contrapartidas – reposição de aulas, devolução de valores empenhados por famílias e/ou alunos, sequência de carga didática e preparação para o vestibular, por exemplo.

Dados da Fenep (Federação Nacional das Escolas Particulares) apontam que 13 governos estaduais e o Distrito Federal ainda não lançaram protocolos para a retomada das aulas ou estabeleceram previsão de retorno. Outros, como São Paulo, anunciaram datas e depois revisaram o cronograma. Apenas Amazonas e Maranhão já liberaram a presença de alunos nas salas de aula.

Retomada de escolas é cheia de dúvidas

Os problemas começam no processo de reabertura. No Mato Grosso, por exemplo, escolas e faculdades particulares de Sinop já iniciaram aulas presenciais. Além disso, toda a rede particular de ensino de Lucas do Rio Verde tem retomada programada para 10 de setembro. Outras cidades seguem à espera de uma diretriz.

A situação é ainda mais confusa no Rio de Janeiro, onde a prefeitura quer voltar o quanto antes, mas o governo estadual adota cautela. A Secretaria Estadual de Saúde trabalha atualmente com a perspectiva de retomada em 15 de setembro, mas ainda não tem nenhuma certeza sobre o formato ou as condições.

Em São Paulo essas orientações já foram repassadas a instituições de ensino, mas isso tampouco dirimiu as dúvidas. O governo estadual projetou retorno das aulas presenciais para 7 de outubro e estabeleceu inicialmente uma limitação de ocupação das escolas.

Governo federal não criou protocolo único para retomada das aulas no Brasil, e isso ampliou judicialização na área
Crédito: Unsplash

A grande questão nesse ponto é o modelo de cálculo de ocupação. Escolas que trabalhavam abaixo da capacidade total devem basear a conta no número de alunos ou no potencial de matriculados? E em outro polo, como proceder nas instituições que estavam superlotadas antes da pandemia?

E mesmo que a questão da ocupação seja resolvida, o que fazer com as crianças para criar uma divisão de uso do espaço? É melhor dividir a carga horária entre vários grupos num dia ou criar um revezamento de dias com um grupo discente em algumas datas e outro no contraturno?

Ainda existem as dúvidas práticas: é possível cobrar que alunos fiquem de máscara e respeitem o distanciamento social? E se eles não respeitarem, o que a instituição de ensino pode fazer?

Segundo dados do Datafolha, 79% dos brasileiros acham que a reabertura de escolas agravará a pandemia do novo coronavírus, que já matou mais de 100 mil pessoas no Brasil. Mais de 64% das crianças infectadas são assintomáticas, o que só agrava essa percepção.

O que tem causado explosão de judicialização no ensino

Ao contrário do que fez, por exemplo, com as relações de trabalho, o governo federal não criou um balizador para contratos com instituições de ensino durante a pandemia. Essa é a principal natureza de uma explosão de judicialização.

De um lado, pais e alunos pediram descontos, suspensão ou cancelamento de contratos, com devoluções correspondentes a matrículas, alimentação e até mensalidades que já haviam sido pagas; de outro, instituições de ensino alegaram que a adoção dessas políticas tornaria inviável a manutenção da operação.

A situação foi menos grave no início da quarentena, quando muitas escolas prometeram repor o hiato sem aulas presenciais cancelando feriados e férias vindouras. Com a manutenção do distanciamento social, contudo, isso tornou-se impossível.

O Ministério da Educação ainda contribuiu para a polêmica ao dizer que considera aulas online como reposição. Todavia, essa lógica ignora questões como a ausência de um modelo pedagógico viável para o EAD (ensino à distância) ou a falta de capacidade técnica para grande parte da rede de alunos do país.

Com tantos elementos inusitados, como tratar nas escolas o período de quarentena? Aulas online devem ser consideradas iguais às atividades presenciais? Se sim, os pais devem seguir pagando mensalidades normalmente, a despeito de reduções de custos estruturais nas instituições de ensino? Mais uma vez, a situação suscita mais perguntas do que respostas.

Não existe uma estatística sobre o número de processos no segmento educacional, mas a percepção da Fenep é que o volume de judicialização explodiu nos últimos meses. O STF tem atualmente quatro ações diretas de inconstitucionalidade e duas arguições de descumprimento de preceito fundamental sobre o assunto.

Judiciário muda postura diante de judicialização

Logo no início da quarentena, de acordo com dados levantados pela Fenep, decisões liminares concederam descontos de 10% a 30% para alunos sobre o valor das mensalidades em ações de Ministérios Públicos e Defensorias. Depois, com a manutenção do distanciamento social, houve uma revisão de postura nos tribunais: entendeu-se que não fazia sentido impor um corte assim, seco, desconsiderando todo o contexto.

Em maio, a Secretaria Nacional do Consumidor emitiu nota contra descontos obrigatórios com porcentagem fixa. No texto, a entidade ligada ao Ministério da Justiça orientou o Procon a direcionar negociações para acordos individuais entre consumidores (pais e alunos) e instituições de ensino.

A estimativa da Fenep é que a taxa de inadimplência no ensino pago subiu de 9% para 35% durante a pandemia. O cancelamento de creches particulares chega a dois terços do total de matriculados.

A matrícula de crianças na rede de ensino não é obrigatória para garotos com até quatro anos. Depois, segundo determinação do Ministério da Educação, pais têm o dever de proporcionar isso.

Consultor,
Marcus Vinicius Tatagiba.

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