Você já ouviu falar em Justiça Restaurativa? Como o conceito se aplica ao Direito Penal

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Você já ouviu falar em Justiça Restaurativa? Nos últimos anos, o conceito tem sido cada vez mais debatido no âmbito do Direito Penal. Diretamente relacionado ao esgotamento do sistema prisional e do modelo punitivo, a área tornou-se extremamente relevante para advogados que tenham intenção de lidar com processos humanizados e adequados às necessidades do futuro.

A ideia que sustenta a Justiça Restaurativa foi concebida por Albert Eglash em um artigo intitulado “Beyond Restitution: Creative Restitution” (“Além da restituição: restituição criativa”, em tradução livre), publicado no livro Restituição na Justiça Criminal, de Joe Hudson e Burt Gallaway. No entanto, também há ideias advindas de obras como Vigiar e Punir, escrito por Michael Foucault.

O ponto mais radical da Justiça Restaurativa é que ela altera a dinâmica de relações no Direito Penal. O conceito refere-se diretamente ao significado de “recuperação”, o que abarca bens materiais, relações e pessoas. Não existe aplicação possível sem que todos admitam um modelo colaborativo.

O sistema prisional no Brasil e a Justiça Restaurativa

Dados do Depen (Departamento Penitenciário) em 2016 mostram que o Brasil tem atualmente a terceira maior população carcerária do planeta. O país contabilizava 726.712 pessoas atrás das grades naquela época, a despeito de oferecer apenas 368.049 vagas no sistema prisional.

A superlotação é apenas um dos problemas. A população carcerária no Brasil cresce em média superior a 8% ao ano – o que é muito mais do que a velocidade de desenvolvimento de espaços físicos adequados. E para tornar a situação mais grave, 40% dos presos do país ainda não foram condenados.

O perfil da população carcerária também é importante nessa análise. A maior parcela dos presos nacionais advém de delitos como roubo, furto ou tráfico. Crimes contra a vida, como feminicídio, homicídio ou latrocínio, representam apenas 14% do total.

Essa população carcerária que é majoritariamente formada por pessoas que foram presas por crimes menos graves e que tem um grande contingente aguardando julgamento é um custo considerável para os cofres públicos. O Ministério da Segurança Pública estima que cada preso custe R$ 4,8 mil mensais em entidades federais e R$ 1,8 mil por mês se estiver em instituições estaduais.

A Justiça Restaurativa, portanto, é uma forma de o Direito Penal lidar com essa situação que caminha para um cenário insustentável. As premissas são focadas em medidas que onerem menos os cofres públicos e diminuam o colapso do sistema prisional.

A origem da Justiça Restaurativa

Ainda que o conceito tenha sido formatado por Eglash, a Justiça Restaurativa reflete o desenvolvimento de ideias ao longo de décadas. As premissas basilares são estimular o ofensor a pedir perdão e mitigar os danos causados à vítima, e esses comportamentos estão presentes também em outras abordagens do Direito.

Portanto, é certo dizer que os conceitos da Justiça Restaurativa precedem o artigo de Eglash, publicado em 1977.

Em contrapartida, a aplicação dos conceitos da Justiça Restaurativa tampouco remete à publicação da obra. Ainda que existam experiências em países como Canadá e Nova Zelândia, o fato é que ao longo dos anos houve poucas abordagens institucionais em larga escala com uso dessas ideias.

Países que já tiveram experiências com Justiça Restaurativa

Além de Canadá e Nova Zelândia, há registros de aplicação dos conceitos em países como Chile, Colômbia, Espanha e Portugal. Em diferentes medidas, essas nações se aproveitaram das ideias de Eglash para criar ordenamento jurídico menos focado em punições e mais voltado à diminuição dos danos causados.

Como funciona a Justiça Restaurativa no Direito Penal

Imagine, portanto, a adoção ampla dos conceitos de Eglash. Em vez da atuação punitiva do Estado, o Direito Penal teria dois focos: restituição/mitigação dos danos e reconfiguração do ofensor.

Nesse sentido, a Justiça Restaurativa é um processo coletivo. O ofendido precisa mostrar a dimensão dos problemas causados, e o ofensor precisa admitir uma revisão em seu comportamento e suas premissas.

Aí entra o principal entrave para a Justiça Restaurativa no Brasil: o ordenamento jurídico do país é punitivista e não tem qualquer compromisso com a regeneração.

Ainda assim, contudo, os últimos anos têm sido especialmente prolíficos para discussões em torno da Justiça Restaurativa no país. Liderado por instituições ligadas aos direitos humanos, o movimento de aproximação do Direito Penal com esses ideais encontrou no colapso do sistema prisional um caminho para prosperar.

Consultor
Marcus Vinicius Tatagiba

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